sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

No Fim

Aparentemente não podia ser triste. A ruiva sedutora era a das melhores notas, do bom gosto musical, dos bons amigos, da festa sem bebida, da beleza contida e do namorado carinhoso.
Mas era triste. Quando as luzes se apagavam só encontrava a própria tristeza. Como que nos bastidores, ali no cantinho, tinha sempre vontade de tomar posse da cortina vermelha e fechar o próprio mundo.
O fato de não se deixar levar por doutrinas religiosas só ajudou na escolha dos "cúmplices", assim carinhosamente chamados. Sempre tinha por perto a nerd cinéfila, o estranho descontrolado e a boba engraçadinha.
A nerd cinéfila mais parecia uma psicopata. Seus olhos não transpareciam emoções. Andava como se sentia bem: cabelos ao vento e roupas largas. Tratava a todos bem, isso é fato, mas parecia não fazer questão alguma de tê-los por perto. Sabia a sinopse de todos os lançamentos e sua fixação pela linguagem original dos filmes despertou a paixão por idiomas. Dominava o inglês, o espanhol e o francês.
O estranho descontrolado era de fato estranho... e descontrolado. Não era de muita conversa e as más línguas o classificavam como "criado com vó". Não, não fora criado com vó. Seu pai, pulso firme e rigoroso em todos os aspectos, parecia ter a intenção de formar um "exército para vencer as batalhas da vida", ao invés de filhos. A mãe, amorosa e paciente era o "meio termo" da família, o alicerce, posição que já não suportava.
A boba engraçadinha, tão homossexual quanto o estranho descontrolado "criado com vó", fazia jus à sua adolescência. Vivia pelos bares e festas, "- bissexual para amenizar", dizia. Não raramente a viam com dois ou três rapazes na mesma noite e ela adorava ser o centro das atenções. Seus cabelos naturalmente lisos a colocavam na moda sem esforços. Suas curvas e olhos verdes possibilitavam o sucesso 'amoroso'. Seu negócio era "ficar". Na verdade, só ela sabia do medo que tinha de relacionamentos sérios. Do medo que tinha de perder a liberdade e abrir o jogo. Deixar que soubessem das suas fraquezas... que era mais do que carne e osso.
Mas a ruiva sedutora, mesmo tendo os amigos por perto, sentia-se vazia, rejeitada. Tentava se mostrar, como qualquer um ser normal, mas não permitiam. Se a deixassem também, que diferença faria? Ela mal sabia quem era. Mal sabia o que queria. Vivia procurando em desconhecidos exatamente o mesmo que as pessoas à sua volta ofereciam: atenção, carinho. Mas estava sempre insatisfeita. Insatisfeita e triste. A cada novo rosto que surgia, tinha as esperanças renovadas, sentia que se causasse uma boa primeira impressão, conseguiria tudo. Mas o curioso é que não sabia definir "tudo"; Não sabia o que queria conseguir.
Entre indagações sobre a própria existência e instantes engraçados, viveram por anos, sempre juntos. Vadiaram pelas ruas, assistiram filmes, invadiram festas, beijaram muitas bocas, compartilharam músicas-tema e correram pela chuva.
Quando o tempo chegou ao fim, a ruiva sedutora olhou para trás. Somente quando se viu desprovida de minutos seguintes, percebeu quem tinha sido, o que pôde oferecer e o que se perdeu para sempre.
Agora desejava, mais que a própria vida, ter notado que o primeiro namorado a amava de verdade. Queria ter acordado para o fato de que a nerd cinéfila era tão humana quanto ela e que também sofria. Que por trás de seus olhos de vidro havia o enorme sofrimento de uma criança rejeitada pela mãe. Queria ter percebido que o estranho descontrolado precisava de orientação, de pessoas que o estimulassem e o fizessem entender que ele não era só homossexualismo. Que o seu talento invejável para a pintura merecia investimento. Desejava, com todas as forças, ter tido uma última conversa amigável com a boba engraçadinha, ao invés da discussão que a fez perder o controle do volante e matar os quatro, em plenos vinte e cinco anos.
Lídia Lamounier

7 comentários:

Lídia disse...

não é de mim gambá não, mas desse eu gostei!!!!!!!!!!!!!!


hasushausahua

Raíssa disse...

U-au!

Perfeitíssimo!!!

Muitas das características dos personagens as reconheci em alguns de nós... Ou não?

Guilherme Martins Teixeira Borges disse...

eu também...
quem fez!?

Lídia disse...

eu!


huhu

Sabrina disse...

Estranhamente desconcertante...

Anônimo disse...

Pastel, ficou parecendo comentário de revista... que chique!


kkkkkkkkkkkkkkkk

Anônimo disse...

não é só pensar no fim
NAS PROFECIAS
é pensar que um dia
sob algum luar
eu vou te mandar um recado
um reggae bem gingado
ALUCINADO DE AMOR
amassado num guar-da-na-po




YEAHHH

"Aqui não há Lei. Não há nada. Só há nós. Nós somos a Lei."